quarta-feira, 10 de julho de 2019

Democracia e desesperança

O que teria ocorrido entre o final dos anos de 1960 e início de 1990 que as músicas Space Oddity, de David Bowie, e Man in the box, da banda Alice in Chains, tão exemplarmente exprimem? Vejamos dois pequenos trechos de ambas. O da primeira: “This is Major Tom to Ground Control / I'm stepping through the door / And I'm floating in a most peculiar way / And the stars look very different today…” O trecho da segunda: “I'm the man in the box / Buried in my shit / Won't you come and save me? / Save me…” Enquanto que em Bowie vemos alguém em pleno vigor de um movimento de saída do “mundo”, de abandono da gravidade que faz o corpo pesar, de abertura para um novo olhar que vê as estrelas na escala de quem, como elas, flutua num espaço indeterminado, Man in the Box nos mostra o homem enclausurado, preso à sua própria merda e que clama por ajuda, não a que o “mundo” poderia oferecer, mas outra espécie de ajuda, justamente uma que o “salve”. O que teria havido, então, entre estes anos, que transformou o fascínio pelo espaço, próprio àqueles que desejam o infinito, na claustrofobia de quem se encontra fechado dentro de uma caixa? Man in the box foi lançada no ano de 1990, ano seguinte à queda do muro de Berlim e no qual o colapso da União Soviética já dava seus sinais. Não deveria ter sido este período o apogeu do que até então não passava de uma promessa pairando nos ares daqueles “anos de ouro”, promessa que marcou toda a década em que o homem foi à lua? O que no desenrolar desta trajetória foi frustrado? Esperou-se pelo que não se devia esperar? Ou alguma força exterior ao impulso emancipatório mergulhou todo o otimismo num caldeirão de tristeza? Parece que o “fim da história”, a hegemonia da democracia enfim conquistada a duras penas teve o seu custo psíquico: a desesperança.