terça-feira, 28 de agosto de 2018

Pulsão

Da mesma forma que a culpa é anterior ao crime – todo ato delituoso visa a dar corpo a uma falta que o transcende –, o sonho pelo fim, pela destruição total é anterior à guerra. O que é a bomba atômica se não o aparelho que materializa o nosso sonho por uma interrupção radical? Parece que não basta morrer porque morrer talvez seja muito pouco. O desejo mais fundamental é mesmo o de que tudo desapareça. E não se trata de qualquer desaparecimento, mas sim daquele com efeitos retroativos, isto é, com um alcance tal que não permite que sobreviva nenhuma memória em que estaria registrado tudo o que já foi vivido. Então, não é que deixaremos de viver, mas sequer chegamos a existir. A teologia, apropriando-se desse desejo, fala do “apocalipse”; quanto aos tempos atuais, tempos sem Deus, que nome dão ao nosso sonho secreto de morte absoluta?

quinta-feira, 9 de agosto de 2018

Inconsciente e política

Bolsonaro é o curioso caso de um meme elevado à categoria de presidenciável. Mas o que é um meme? Surgido nos anos 1970, o termo se refere ao que se espalha no campo da cultura com a mesma facilidade, intensidade e poder com que um virus se espalha num organismo. Não é sem propósito a expressão "viralizar" para se referir ao que se difunde com rapidez nas e pelas redes. Bolsonaro viraliza porque aquilo é um meme, isto é, passa pelo que há de mais obscuro em cada um. E já estão contaminados por esse elemento ambíguo não só os que falam bem dele como também os que falam mal, basta ver como esse nome "Bolsonaro" brota por todos os lados como de um fonte perene. Espécie de peste circulando no espaço simbólico, seja na raiva ou na paixão, ódio ou amor, é uma dimensão primitiva em nós mesmos e no outro com que estamos todos lidando. Por que isso é tão espantoso? Porque o que se vê é o inconsciente, em seu aspecto mais selvagem, aflorando na política.

quinta-feira, 2 de agosto de 2018

Emoticons

Os emoticons talvez sejam o que há de mais intrigante neste mundo novo recém surgido da vida digitalizada, pois são eles a padronização de nossas reações, que, restritas a um número limitado, só têm seu espectro de possíveis ampliado se baixamos "pacotes" com carinhas novas e outros ícones. Mas e quanto àquelas sensações ainda sem margem e contornos? Sobrevivem em intensidade se capturadas por alguma dessas "figurinhas"? Se toda a graça de se apaixonar, por exemplo, está na experiência mesma de uma sensação nova, inesperada, resultante de um deslumbre que escapou a todo cálculo, nem imagino como serão os amores de amanhã.