Eu não fui ver, mas quem foi me contou, razão suficiente para que me sinta autorizado a comentar. No ccbb, trabalhos de Rebecca Horn estão sendo expostos. Numa de suas obras, a resposta à pergunta “que é arte?” fica bastante evidente. Trata-se de um piano pendurado no teto, executando, de 15 em 15 minutos, os seguintes movimentos: teclas semelhantes a entranhas que saem de seu lugar devido e o tampão que se abre. Por uma engrenagem desconhecida, esses movimentos parciais acontecem num certo ritmo. Mas na verdade não são parciais os seus movimentos: o piano inteiro se transforma, dura como um objeto natural que desabrocha para o sol. O piano de Rebecca desabrocha para o olhar. O instrumento agora não produz ritmo a partir do silencio e som alternados. Possui ele mesmo um ritmo, e seus movimentos nos dão o testemunho. Enfim, não existe aqui fundo fixo contrastando com a figura animada (teclas e tampa). O piano também não toca música, mas o que nos comunica é a sua forma visível; dele nada se ouve, mas apenas se vê. Temos, portanto, um piano sem a finalidade musical, um objeto desprovido de sua função. Essa é justamente a resposta que Rebecca nos dá à pergunta a que me referi acima. O mesmo acontece com o penico de Duchamp: deslocando o objeto de seu contexto, perde ele logo a sua função. E mais: deslocando-o para um museu, vira obra de arte. O que se vislumbra neste gesto é a separação entre a coisa e sua função, que retirando da coisa a sua função resta apenas um real, um substrato material inerte movido por engrenagens. A separação entre coisa e função nos revela que lidamos com elas na medida em que nos relacionamos com a abstração das funções, cuja “matéria” é a expectativa do uso. Daí o efeito de estranhamento quando se está diante de um penico num museu ou de um piano no teto de um museu, estranhamento proveniente de alguns vícios nossos, por exemplo o de perguntar em silêncio “para que serve?” ao que nos cerca. Antes de constituírem objetos extraordinários em si mesmos, belos ou sublimes, os objetos de arte contemporânea equivocam a relação com o ordinário, o comum e a antecipação de seu uso, o tão “natural” e espontâneo afastamento da presença da coisa e de seu instante, simplesmente tratando-os como extraordinários através da mudança do lugar. O teto sobre os pés do piano é levar o chão ao lugar do teto, a terra ao céu, é pôr o profano no lugar do sagrado: eis a inversão de um mundo deslocado. Quando equivocado, o mundo vira de cabeça para baixo. A arte de hoje faz isso.
(Bruno Holmes Chads, 30 de maio de 2010)
Fui lá ver. E acabei assistindo também um bom trecho de um filme da artista (na sala ao lado de onde está "Concerto para Anarquia, Piano"). Achei interessante a exposição (embora eu seja um tanto refratário à arte contemporânea) e gostei do que vc escreveu.
ResponderExcluirA obra que mais me atraiu, porém, foi uma em que há duas pistolas uma apontada pra outra, com espelhos atrás. Se vc se coloca no meio - e para continuar a ver a exposição, vc deve passar por ali -, sua imagem se multiplica e as pistolas ficam apontadas pra sua cabeça. Isso me deu medo e fascínio; me coloquei ali, mas logo saí pois me incomodou demais. É estático porém violento, agressivo. Fiquei um tempo parado na sala, observando e reparei que muitas pessoas se abaixam para passar pelas armas - algo instintivo; outras, param, mesmo, e voltam.
Vale a pena! Abraços
O nome da obra que me causou espanto é "Sala da Destruição Mútua."
ResponderExcluirIa colocar o link que leva a uma foto, mas desisti porque para senti-la só se colocando entre as armas...
Pretendo ir ver na próxima segunda.
ResponderExcluirO museus não abrem nesse dia.
ResponderExcluirBRUNO HOLMES QUE BLOG BACANA... CONHECI PELOS COMENTS DO A. CÍCERO. CONGRATULATIONS... E VIDA LONGA . UM DIA VENHO E COMENTO DIREITO. BREVE. ABR.VINICUS.
ResponderExcluirLegal!!!
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