Hoje eu acordei com saudades do cometa Halley. Durante todo um mês daquele ano não se falou em outra coisa que no tal do cometa. Era cometa Halley pra lá, cometa Halley pra cá... Até na novela se ouvia falar dele. Para um menino como eu naquela idade, aquelas semanas foram vividas como um acontecimento cósmico, como se estivéssemos todos mais próximos do céu, nos juntado a ele. E hoje eu acordei com saudade daquele cometa, que, se dizia, só retornaria 75 anos depois, mais ou menos o tempo de uma vida. Fiz, ainda naqueles anos, os cálculos e percebi que, caso conseguisse vê-lo, eu estaria diante de algo que só aos 84 anos de idade eu veria novamente. Senti-me, por um lado, feliz em pensar que havia chances de acompanhá-lo na sua passagem seguinte; por outro, triste em saber que os mais velhos à minha volta não teriam aquela sorte porque já estariam todos mortos. E por dias o cometa afetou algumas considerações que eu fazia: à luz de sua duração projetada pela minha imaginação, eu estava cercado de gente morta. No outro extremo, o cometa seria a testemunha muda dos meus dias de criança. O Halley me pareceu ser, portanto, o ponteiro de um gigantesco relógio, cuja volta completa demora os tais 75 anos, o relógio dos relógios, sem as tradicionais divisões que fatiam os nossos dias em condicionados intervalos idênticos: o seu tempo vasto ligava a minha vida de ponta a ponta, como também me permitia vislumbrar uma grandeza cósmica inédita. Mas vendo ou não o tal cometa, isto é, se as nuvens me permitissem liberando a minha visão, enxerguei nele como que uma carta de mim para mim. A experiência de ver o cometa pela segunda vez, quase oito décadas depois e já com uma vida inteira atrás de mim, seria o ponto que coincidiria com a experiência infantil de quando ele me sobrevoou riscando o meu céu. E o que o meu cometa me dirá? Eu hoje acordei com saudades do cometa Halley.
domingo, 8 de setembro de 2019
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