Na fala do Diabo para o músico gênio, a fadiga e a reflexão crítica se mostram ser aquilo que estaciona o verdadeiro trabalho no campo das artes.
"O artista é irmão do criminoso e do demente. Pensas, por acaso, que já se haja realizado alguma obra interessante sem que seu autor tivesse aprendido a entender a existência de loucos e malfeitores? Que significa "mórbido" e "sadio"? A vida nunca logrou em dispensar o mórbido. Tiramos as coisas boas do nariz do Nada? Onde nada existe, o próprio Diabo não terá campo. Nós não criamos novidades. Limitamo-nos a desatar e libertar. Mandamos às favas a lerdeza, a timidez, os castos escrúpulos e as dúvidas. Estimulamos, e mediante a excitação produzida por um pouquinho de hiperemia, já suprimimos a fadiga, a pequena e a grande, a particular e a inerente à época. O que na era clássica talvez se pudesse obter sem a nossa intervenção, hoje em dia somente nós podemos oferecer. E nós oferecemos coisa melhor, unicamente nós oferecemos o autêntico e o verdadeiro. O que nós propiciamos já não é o clássico, meu caro, e sim o arcaico, o primordial, o que, desde tempos imemoriais, ninguém experimentou. Quem sabe ainda hoje, quem sabia até mesmo na época clássica o que é inspiração, o velho gênio criador autêntico, primevo, não deteriorado pela lerda ponderação, pelo mortífero controle do intelecto, o sagrado transe? O que ele, o diabo, deseja e proporciona é justamente a triunfante superação dela, através da ostentosa irreflexão."
(Thomas Mann - Doutor Fausto, p. 276 e 277)
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