No excelente "Into the fire: The Lost Daughter" (Em busca de uma filha), documentário da Netflix, o estuprador e assassino de mulheres, diante do investigador de polícia, responde porque havia cometido aqueles crimes pelos quais estava sendo acusado e preso: "It's a demon", diz ele. Com papel e caneta à sua frente, Dennis, esse atormentado, começa a desenhar. De um lado da folha, ele, com braços, pernas, cabeça. Mesmo tortas as linhas, lembrando o desenho feito por uma criança, ainda assim a forma humana se insinuava. Na outra extremidade, o "demônio": uma mancha de tinta, rabiscada, feita com traços duros e disformes, quase rasgando o papel. Essa oposição entre os lados da folha, entre ele e o demônio, entre sua razão e a loucura, parece ser a oposição entre a forma e o caos. Filmes de terror exploram esse paralelo do traço e o rabisco com a razão e a loucura, a alma e o demônio. Há em Evil Dead (1981) a cena de uma personagem que fica possuída enquanto desenha. Como ficamos sabendo dessa possessão? O seu desenho, iniciado com cuidado pela mão delicada, buscando a semelhança com o objeto à sua frente, termina em rabiscos sem sentido. Movimentos caóticos começam a tomar conta e a forma desenho na tela deixa de ser identificável. A questão é: a mão que fez o desenho é a mesma que fez o borrão. Dennis, o atormentado do documentário, também não desenha numa mesma folha a si próprio (braços, pernas, cabeça) e o "demônio" (tinta, mancha, riscos soltos)? O que isso tudo nos diz sobre a relação entre o sujeito e a loucura é que as forças de ordem e aquelas do caos possuem a mesma origem ao invés de se oporem. Dennis não é um dos lados da folha onde um homenzinho está desenhado. Dennis é a própria folha em que ora é forma e ordem, ora é desordem e caos.
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