quarta-feira, 22 de setembro de 2010

O cinema, o teatro e seus respectivos espaços

Não há dúvidas de que o cinema nada tem a ver com teatro filmado, e não é preciso ser especialista no assunto para saber disso. O fato de o movimento da câmera e a montagem implicarem numa linguagem propriamente cinematográfica isso marca tanto a sua independência quanto atividade em relação ao que é filmado, constituindo algo mais que mero registro de atores encenando papéis para que uma estória seja contada. Mas há, além disso, as diferenças de “espaços” que mais fundamentalmente separa uma arte da outra. Comecemos com o teatro. O espaço que este utiliza está restrito à extensão, o que obriga os seus envolvidos a repetirem a cada apresentação todo o trabalho da encenação. No cinema, o registro da luz no celulóide (ou película) elimina este problema, permitindo, além do transporte do material filmado, a sua reprodução indefinida. Mas há mais: as direções que cada um aponta. Há uma tendência no espaço do teatro em direcionar a atenção para o centro do palco, pois os seus limites são os limites do que é encenado. Tudo o mais, o que escapa às suas ‘bordas’, é matéria e presença inerte, e em hipótese alguma signo, auxílio para contar o que nos é contado. As cortinas, as pilastras de sustentação, portas de saída, extintores de incêndio etc. são exteriores à cena. Como forma de se livrar desses elementos alheios à estória o nosso olhar percorre o caminho em direção ao interior do que se deve e pode ver. Interessante tendência essa do nosso olho, que prefere a ausência do fictício à presença do real. No caso do cinema, o olhar do espectador não é delimitado pelas bordas da tela. De fato, quando se olha para fora dela o que se vê não pertence ao filme, mas sim à sala de cinema (da mesma forma que no teatro). Mas, diferentemente do teatro, no cinema há o que chamam de extra-campo, aquilo que não aparece no retângulo da tela mas que participa virtualmente do que vemos ao mesmo tempo que determina isso que vemos. O termo cena deve ser entendido como o que vemos mais o que não vemos e que pertence à diegese (esse 'a mais' que não é visto mas que poderia sê-lo). O cinema inclui tanto o visível quanto o invisível, e o que é visado pelo enquadramento da câmera não passa de uma pequena porção de toda a cena. Logo, é por uma contingência qualquer que vemos o que vemos dentro do espaço da tela, pois, repetindo, a cena não se restringe a esses limites, uma vez que também abrange o que está fora. Daí provém parte do fascínio que o cinema exerce sobre nós, a sensação de nos encontrarmos dentro do inusitado (sem, obviamente, sofrermos as conseqüências das situações que o cinema nos apresenta, pois tudo não passa de simulação). Lançando mão das figuras geométricas na diferenciação de uma arte para outra, o cone, com sua base voltada para a platéia, esquematiza a atenção dos espectadores do teatro, pois o olhar tende para o centro, portanto, movimento centrípeto; ao passo que no cinema é o vértice do cone que está voltado para a platéia, tendendo os olhares não mais em direção ao centro mas em direção às bordas, na busca do que lhe escapa, obedecendo ao movimento centrífugo sugerido pela possibilidade de aparição do invisível. Temos aqui, mais que diferenças entre duas artes, duas atitudes distintas do olho. A transição de uma arte para outra é uma mudança de interesse: do fechado para o infinito.

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