Com exceção da música que faz sua vitrola girar, é claro. Se Monsieur Hulot não fala, não é por uma incapacidade física, mas por uma impossibilidade própria da palavra em dizer. A sua mudez é antes um princípio. Se emite sons, estes provêm ou de pequenos incidentes desastrados ou de sua vitrola que às vezes é posta para funcionar num volume tal que abafa todos os outros, dos sons dos talheres às conversas no salão, chegando mesmo a incomodar, ao que as pessoas reagem indo ao seu quarto cortar-lhe a energia.
Como as palavras têm o mesmo estatuto das outras formas cruas de som, elas nem reproduzem sentidos muito menos se referem às coisas. No filme de Tati, as palavras não têm uma relação de exterioridade com o real, de designação, mas são elas como as coisas, parte do real, e se ultrapassam os limites do que somente são capazes, que é ser som e nada mais, é porque forjam para si uma eficácia tanto na organização quanto na condução do mundo.
As palavras não possuem nenhuma espécie de privilégio e são como tudo mais. A cena que torna ainda mais claro este aspecto é aquela em que um senhor, a bordo do primeiro carro de um comboio, depois de uma breve parada para olhar através do seu binóculo como que na busca de uma direção, diz em alto e bom som "direção, à direita", quando todos vão para a esquerda. E o mais curioso é que também o seu braço, no momento em que ele dá as ordens, aponta para o lado em direção ao qual tudo segue mas oposto àquele a que suas palavras querem conduzir, o que nos mostra que até o corpo de quem profere é surdo às suas ordens.
Há uma independência no desenrolar da realidade quanto ao que é dito. O dizer só é alguma coisa na medida em que é parte do mundo. Já o conteúdo do dizer, isso que se pretende que seja dito através do dizer, isso é o que não há. Onde poderiam tais ordens estar ancoraradas senão neste outro mundo imaterial onde moram os conteúdos dos dizeres? Esse plus da natureza, é isto que é posto à prova quando a impotência da palavra na condução do mundo nos é apresentada.
O filme Les vacances de Monsieur Hulot é um filme sobre a palavra mais do que sobre o som, ou melhor, sobre o som das palavras e das palavras enquanto sons, e se elas são alguma coisa além disso o fazem à custa de uma fraude fadada ao fracasso, pois as palavras não são espírito e mentira tem perna curta.
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