Num certo sentido, a frivolidade é o
temperamento típico de não fixação às coisas, um modo de ser imune ao valor do que é valoroso, o frívolo sendo justamente aquele cujas opiniões estão claramente
restritas a uma perspectiva banal. Mas em relação às causas da rasa profundidade de tal pessoa as coisas podem ser diferentes do que parecem. Antes de considerar a
mera falta de apego como traço da frivolidade, há na verdade um profundo dogmatismo em tal atitude. No fundo da superficialidade que caracteriza o frívolo
encontra-se uma fixação patológica. A que precisamente o frívolo está fixado? Pense, por exemplo, que há duas posturas possíveis diante das tristes experiências pelas
quais as pessoas passam durante a vida. A propriamente frívola consiste no fixar-se aos "nódulos psicológicos" que tais experiências produzem. A não frívola, na
dissolução desses nódulos na alma, na sua absorção por parte da pessoa, resultando disso uma expansão da substância humana. A conclusão a que se chega é
que a frivolidade é um problema ético antes que um problema de qualquer outra natureza, problema que pode ser resumido no seguinte dilema ao qual somos todos
confrontados: fechar-se sobre si, construir muros de dentro dos quais não mais sair, forjar artificialmente uma interioridade em descontinuidade com o exterior e nela
se refugiar e, por fim, considerar como invasivo tudo o que provém lá de onde não nos reconhecemos? Ou, ao contrário, se deixar afetar pelas circunstâncias para delas
melhor colher o que possa ser precisamente constitutivo de uma sensibilidade especial e nova que nos permita apreender o que até então se encontrava em estado de
dispersão e latência? As tais cercas da primeira escolha criam as noções de dentro e fora. Mas as cercas possuem fendas, e todos os esforços por
sustentá-las estarão desde sempre fadados ao fracasso. O frívolo culpa o "diabo" por isso em vez de ver que as lacunas de seu edifício vêm com a construção do próprio
edifício. Por trás do frívolo há um esboço do sentimento fascista que o aprisiona a uma busca incessante por segurança; ele considera o mal como exterior e
sonha com a imobilidade do mundo. Só num mundo eternamente imóvel encontraria ele a segurança que tanto almeja. É em Lições de Abismo, de Gustavo Corção,
onde pode ser encontrado o que talvez seja uma das melhores considerações acerca do fenômeno da frivolidade."O que existe na frivolidade é mais doença do que saúde; mais fixação do que mobilidade; mais morte do que vida. Eu disse fixação. Explico-me melhor: todos nós
sofremos na vida certos golpes psicológicos, um susto, uma surpresa maravilhada, uma descoberta dolorosa, que deixam em nós um resíduo. Ora, tudo em nossa vida vai
depender da possibilidade de assimilação desses resíduos. Se conseguirmos dissolvê-los na substância de nossa pessoa, então esses sinais de nossas experiências serão
fecundos. Haverá propriamente uma experiência humana, um lucro. Se eu transformar em sangue, em alma, as pedras de meu caminho, terei doravante antenas sensíveis que
antes não possuía, serei capaz de intuições que antes me faltavam. Farei versos, descobrirei novos planetas, ou terei simplesmente um harmonioso equilíbrio que me
permitirá a dilatação da vida."
(Gustavo Corção, Lições de Abismo)
Muito legal, Bruno! Abraço
ResponderExcluirMe fez lembrar Deleuze e Guattari quando dizem q é na surpefície que se trabalha... As superfícialidades marcadas nas cartografias dos desejos... Viagem!!
ResponderExcluirSddes!!!
Bjo.