terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Lugares de solidão e seus amores

O DOIS textos seguintes, o primeiro um trecho extraído do livro Sodoma e Gomorra, quarto volume de Em Busca do Tempo Perdido, Marcel Proust, e o segundo, um poema do poeta Antônio Cícero, nos revelam as pequenas nuances e acasos desse tipo (pelo menos na aparência) raro de amor entre aqueles a quem o autor do primeiro chama de 'invertidos'. Neles nos são descritas e tornadas vivas pelo uso de certas metáforas uma singular situação. Poucos cenários, mas todos lugares de solidão: no primeiro caso, a praia deserta e a estação de trem; no segundo, sob a espessa noite um esquecido parque rico em becos e cantos escuros onde solitários se amam.

O primeiro:

[O invertido no desejo de amar], antes de voltar para sonhar em sua torre, como Griselda, demora-se na praia, como uma estranha Andrômeda que nenhum Argonauta virá libertar, como uma medusa estéril que há de morrer sobre a areia, ou então permanece preguiçosamente na plataforma, antes da partida do trem, a lançar à multidão de viajantes um olhar que parecerá indiferente, desdenhoso ou distraído aos de uma outra raça [os não invertidos], mas que, como o clarão luminoso de que são providos alguns insetos para atrair os da mesma espécie, ou como o néctar que certas flores oferecem para atrair os insetos que hão de fecundá-las, não enganaria o amador quase inencontrável de um prazer bastante singular, bem difícil de situar, que lhe é oferecido, o confrade com quem nosso especialista poderia falar o idioma insólito; quando muito, algum maltrapilho da estação pareceria interessar-se por esse idioma, mas apenas para obter vantagem material, como aqueles que, no Collège de France, na sala em que o professor de sânscrito fala sem audiência, vão seguir o curso, mas unicamente para se aquecerem. (Sodoma e Gomorra, p. 519, 520)


O segundo:

O PARQUE

À noite ele vai ao parque
entre o mar e a cidade
e o precipício do céu
e o abismo do seu eu.

Com toda amabilidade,
ele joga a rede e fere
as águas da noite suave
e colhe o que se oferece:

no sentido do relógio,
as luzes de Niterói,
a escuridão da Urca
e sobre ela o Pão de Açúcar,

depois, pistas de automóveis
e em meio a certas folhagens
sabe-se lá o que fazem
uns atletas quase imóveis,

o Hotel da Glória iluminado
atrás de um bosque no breu;
o monumento, um soldado,
e adiante o museu

e a marina; e depois,
vindo lá do aeroporto
um longínquo odor de esgoto
ofende as damas da noite;

e há vultos à beira-mar
e amantes à meia-luz
e à superfície do mar
um azul que tremeluz

e seu desejo encarnado
na mão de um certo moreno
tão cálido e apaixonado
que é louco por sereno;

e finalmente o que há
é a via láctea a jorrar
no alto do firmamento
a seus pés sem fundamento.

Nenhum comentário:

Postar um comentário