domingo, 25 de maio de 2025

A opacidade do tempo presente

O livro "O ponto de vista do outro", de Jurandir Freire Costa, livro que trata da obra de Philip K Dick, traz a expressão “parábola do presente”, que, segundo Costa, caracteriza a literatura de ficção de Dick. Mas arrisco a dizer que tal expressão é definidora de toda obra de ficção científica. O ponto é o seguinte: a questão tratada por esse tipo de ficção não é o tempo futuro ou passado, mas o tempo presente em que se vive. Ele escreve: "o presente não é um simples estágio do que está por vir, o futuro não são pedaços do “hoje” projetados num indefinido amanhã, e o passado não é um fantasma que só existe na narração retrospectiva. (...) Dick tem outro objetivo. Com a ideia de “parábola”, quer trazer à tona o núcleo inquietante do que nos é mais familiar. O outrora, o hoje e o amanhã são dimensões do tempo usadas para revelar facetas da realidade que, de hábito, desconhecemos." (Pag. 139) Em outras palavras, há um o núcleo inquietante no seio da realidade que nos cerca. E mais: é justamente esse núcleo que torna opaca a experiência mesma do presente vivido. Não é disso que o texto de Freud Das Unheimliche (1919) trata? Como abordar tal núcleo? Como falar dele? Ora, as estórias de ficção científica constituem uma estratégia que visa permitir vir à tona aquilo que "a olho nu" – isto é, sem o recurso da ficção – não somos capazes de enxergar. As obras de ficção científica são um meio para isso. Por este motivo, associar ficção à mentira é um grave erro. Tanto um cenário futurista quanto o de um tempo já passado, ambos não são outra coisa senão formas para que o próprio tempo presente venha à tona. Cria-se estórias futuristas para que, por meio desse futuro ficcional, as dimensões ocultas do presente possam se fazer visíveis, consequentemente disponíveis de serem abordadas, pensadas, elaboradas. O futurismo é um recurso para que o próprio presente se diga. Jurandir continua: "Ele [Philip K Dick] não define futuro como algo que está “adiante”, “na frente”, do “aqui e agora”. O futuro, em seu entender, não é um tempo espacialmente estendido como pontos numa linha que vai de B a Z. A ideia de futuro como sucessão, como sequência de instantes que se desdobram ao longo de um suporte etéreo é descartada por ele. Futuro é a temporalidade como concomitância, como simultaneidade de eventos. É o “depois” que está ao lado do agora, e que só é “depois” no sentido de ser aquilo que não era percebido por estar fora do foco da consciência. Futuro é uma maneira de dizer que, se deslocarmos a atenção consciente para o que existia em paralelo sem ser observado, poderemos ver o mundo e o sujeito de um prisma desconhecido. Para Dick, dar um passo adiante, um passo atrás ou mesmo um passo lateral é o mesmo que girar um caleidoscópio apontando-o para cima, para baixo ou para os lados. O que vemos é sempre um novo arranjo dos elementos que já estavam lá." (Pag. 143) Ou seja, trata-se de um deslocamento do olhar capaz de nos fazer ver o que não pode se mostrar por outras vias. Tenho os filmes 2001 Uma odisseia no espaço e Matrix em mente mas que por ora não irei comentar para não me estender demais.

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