quinta-feira, 5 de julho de 2018

A mentira como a verdade do amor

O AMOR, à luz da verdade de seus efeitos, é na sua essência nada mais que decepção. O homem romântico, vítima de uma triste narrativa, padece de um drama que é o da impossessão. Mas esse sujeto que se deixa conduzir pela melancolia, o que é que ele não possui? Ora, não possui um determinado mundo para cujo funcionamento ele é absolutamente dispensável. Trata-se do mundo da sua amada. Mas pior do que não possuir é não pertencer. Por uma necessidade estrutural, este avaro de uma ilusão se encontra excluído desse mundo desde sempre por sua condição mesma de amante. E disso ele sabe muito bem, pois o ciúme, sombra escura do amor que sente, sintoma do seu sentimento, é o sofrimento de não participação daquilo que mais anseia, que é a vida daquela que tanto ama. Aprofundar-se em certas pesquisas, do tipo: “quem é ela quando não estou por perto?”, é correr o risco de ter desmentida a representação pouco fundada que tem dessa mulher, posto que a imagem que dela ele construiu se valeu de signos já comprometidos. Ele é como o crente ou o filósofo dogmático que inventa mil peripécias e métodos querendo ter acesso ao que acontece lá onde o seu olhar não entra. Os carinhos oferecidos pelo seu amor, as palavras e juras proferidas, tudo isso não é outra coisa que o encobrimento da difícil verdade: ambos os mundos nunca serão um único e mesmo mundo; trágicos, estes dois personagens nunca serão um só, nunca terão uma mesma alma, uma mesma carne.

"Os signos amorosos (...) são signos mentirosos que não podem dirigir-se a nós senão escondendo o que exprimem, isto é, a origem dos mundos desconhecidos, das ações e dos pensamentos desconhecidos que lhes dão sentido. Eles não suscitam uma exaltação nervosa superficial, mas o sofrimento de um aprofundamento. As mentiras do amado são os hieróglifos do amor. O intérprete dos signos amorosos é necessariamente um intérprete de mentiras. O seu destino está contido no lema 'amar sem ser amado'." (Proust e os Signos – Gilles Deleuze, p.9)

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