quarta-feira, 15 de julho de 2009

A peste: o sonho da festa ou um pesadelo político?

O TEXTO de hoje é de Michel Foucault. Ele nos faz ver o a priori histórico político que tem a sua gênese no período que vai do final do séc. XVIII ao início do XIX. A ruptura com o mundo clássico que caracteriza a modernidade, segundo o recorte do filósofo, se dá no intervalo destes 50 anos. Foucault foi sensível ao nível transcendental a partir do qual uma nova forma de exercício do poder pôde aparecer. Este "fundo" inventado por nosso tempo consiste na idéia de iminência do perigo, que sob diversas formas se encarna: doentes, loucos, delinqüentes, monstros, os de sexualidade polimorfa. A peste enquanto metáfora representa a ameaça deste mal e a possibilidade de sua irrupção lá onde não se imagina e quando menos se espera. Como resposta à generalização de uma insegurança forjada, o Poder Disciplinar. A hipótese destes lampejos de desordem e morte justifica a originalidade deste tipo de poder. Por trás das novas técnicas de esquadrinhamento do espaço e do tempo em nome da seguridade da vida, lê-se o perigo do fim das distinções e das separações entre os seres, da promiscuidade das identidades, de um gozo sem limite que só se sacia com seu próprio aniquilamento.

“Houve em torno da peste uma ficção literária da festa: as leis suspensas, os interditos levantados, o frenesi do tempo que passa, os corpos se misturando sem respeito, os indivíduos que se desmascaram, que abandonam sua identidade estatutária e a figura sob a qual eram reconhecidos, deixando aparecer uma verdade totalmente diversa. Mas houve também um sonho político da peste, que era exatamente o contrário: não a festa coletiva, mas a penetração do regulamento até nos mais finos detalhes da existência e por meio de uma hierarquia completa que realiza o funcionamento capilar do poder; não as máscaras que se colocam e se retiram, mas a determinação a cada um de seu verdadeiro lugar, de seu “verdadeiro” corpo e da “verdadeira” doença. A peste como forma real e, ao mesmo tempo, imaginária da desordem tem a disciplina como correlato médico e político. Atrás dos dispositivos disciplinares se lê o terror dos contágios, da peste, das revoltas, dos crimes, da vagabundagem, das deserções, das pessoas que aparecem e desaparecem, vivem e morrem na desordem.” (Vigiar e Punir - Michael Foucault p.164)

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